Censurados






1988-1994

“… Nós continuamos a ser Censurados naquele sentido que já éramos no princípio. Não no sentido de censurarem o nosso trabalho. Mas, como dizíamos na altura, e continuamos a dizer, somos censurados pela mentalidade que ainda continua a existir. Ainda existe, por exemplo, aquele velho problema do – “é português, não presta” (…)”
Censurados in Blitz, 8 de Junho 1993




Corria o ano de 1988 quando, na capital desta Ocidental praia Lusitana – algures por Alvalade – nascia um projecto que viria a marcar e muito o cenário punk português. Pelas mãos de João Ribas (ex- Ku de Judas) surgem os CENSURADOS. Tem a seu cargo voz e guitarra, partilhada com Orlando Cohen (ex- Morituri e ex- Peste & Sida), juntando-se a estes o baixista Fred Valssassina (ex- Trip D’Axe) e o baterista Samuel Palitos (vindo dos Overdose).

Apesar de extintos, os Censurados são recordados por uma grande legião de fãs como um dos mais importantes grupos da segunda vaga de punk surgida em Portugal naquela época. Se nos anos 70 dominavam os Faíscas e os Aqui D’El Rock, no final dos anos 80, os fenómenos eram os Peste &
Sida e os Censurados.

Em quatro anos, os quatro rapazes de Alvalade gravaram três discos (mais um ao vivo e o DVD posteriormente) e deram inúmeros concertos pelo país fora, em que banda e público se fundiam num só.

A banda começa por tocar em liceus de Lisboa, na zona de Alvalade. A sua formação foi, quase sempre, estável. Começou com o João Pedro Almendra na voz (ex- Peste & Sida) mas foi uma passagem fugaz. Deixou para a posterioridade um tema marcante, "É Díficil".
Trabalhando ao máximo por si e em clima de improviso, a banda merece ficar para a história da música rock independente portuguesa como um emblema de uma época. Como qualquer banda punk que se preze, seja da Califórnia ou de Alvalade, os Censurados foram sempre um perfeito exemplo de do it yourself. Nunca dependeram da MTV, das capas de jornais ou das playlists da rádio. A sua “sala de ensaios” era, afinal de contas, o quarto do vocalista.

Em Dezembro do ano 1989 lançam a sua primeira maqueta com os temas “Tu Ó Bófia”, “Srs. Políticos”, “T’andar de Mota”, “É Difícil” e “Não Vales Nada”. Este primeiro disco é gravado e misturado em 5 dias úteis. O som do vinil traz-nos o ritmo do Samuel na bateria e do Fred no baixo. O Orlando Cohen mal se nota "a solar". Um ano depois da edição da maqueta sai o primeiro álbum intitulado “Censurados”. Este primeiro disco deveria ter sido editado pela independente Ama Romanta (de João Peste dos Pop Dell Arte), mas devido a desentendimentos entre os membros da banda e os responsáveis da editora, foi a El Tatu (editora de Tim dos Xutos & Pontapés) que editou e comercializou o álbum. A estreia é auspiciosa com a primeira edição a esgotar em apenas 2 semanas. A sonoridade explorada ronda um Harcore/Punk rápido (próximo de Ramones) e melódico com influências Thrash, sendo complementada com incisivas letras de cariz político-social, numa sátira envolvente e contagiante. As músicas fortes e as letras corrosivas de algum pendor alternativo concedem àqueles que um dia foram apelidados de porta-vozes de uma geração um público vasto, heterogéneo e fiel, deixando marcas profundas na juventude urbana inconformada que os ouvia.

Tim conhecia bem os Censurados, e daí surgiram as oportunidades para fazer inúmeras primeiras partes dos concertos dos Xutos em 1990 (por tão grande apoio os Censurados são mesmo considerados afilhados destes). Entre 1990 e 1991 a banda efectuou também inúmeros concertos, sobretudo no Johnny Guitar (o tema “Todos no Mesmo Barco” fez, depois, parte do alinhamento da compilação “Johnny Guitar”). Tocaram, também, em Festivais e concertos contra a violência dos skinheads ou organizadas por associações como a SOS Racismo.

Em 1991 sai “Confusão”, o segundo álbum, gravado nos Estúdios Tcha Tcha Tcha, com produção de Cajó, técnico de som dos Xutos. A edição é, novamente, da El Tatu. Este álbum marca um corte com o passado. O som da banda já não é tão cru. Há mais trabalho de produção. O som "à Kortatu" e "La Polla Records" dá azo a um som mais rock com algumas influências clássicas. A banda sempre pautou todos os seus discos com instrumentais; "Bah!“, por exemplo, tem uma cadência forte e marcante. Devido ao conteúdo das suas letras, como a de "Kaga Na Cultura em Portugal“, são colocados no index da Rádio Renascença e banidos das suas emissões.

Após o lançamento do segundo álbum, os Censurados não param e tocam na primeira parte do concerto de Bob Geldof e, também, na abertura do concerto dos Xutos, no Campo Pequeno, em Lisboa. Entre outros eventos são ainda convidados para integrarem o elenco do concerto de solidariedade com Timor-Leste, ao lado dos Delfins, Xutos, Rádio Macau e outras bandas. Em 1992, a banda aventura-se pelo estrangeiro e dá os seus primeiros concertos em França, na edição do Festival Printemps de Bourges, na secção Découverte. O concerto em Rouen seria, no ano seguinte, em fase de pré-produção do "Sopa".

Em 1993 é editado o seu último álbum de estúdio, com o título “Sopa”. Nota-se neste disco um novo corte com o passado, havendo melhorias a nível de qualidade e mantendo letras corrosivas. Numa entrevista ao jornal Blitz de 8 de Junho de 1993, Samuel e Fred contam o seu trabalho em conjunto para melhorar os jogos bateria/baixo e revelam que Orlando comprou um pedal wha wha, que lhe confere uma sonoridade mais psicadélica às músicas. Os dois rapazes revelam ainda novos caminhos neste álbum, que passam pelo funk-metal, pelo grindcore e até pelo ska.

Embora a caminho da dissolução e apesar do baixo nível de vendas do terceiro álbum “Sopa”, os Censurados ainda mantiveram actividade até 1994, dando concertos e sendo até tema de uma BD do jornal Blitz. A banda termina a sua carreira em 1994, com a sua participação no concerto de homenagem a José Afonso, no Estádio de Alvalade (inserido no programa de Lisboa 1994 Capital Europeia da Cultura). Tinham participado no disco homónimo “Filhos da Madrugada Cantam José Afonso” – que vendeu mais de setenta mil unidades – com a versão de “O Que Faz Falta”, que tocaram no palco do estádio.

Pós-censurados:
  • Em 1998 os álbuns “Censurados” e “Sopa” são editados em CD pela El Tatu Editor.
  • Em 1999 voltam a reunir-se (em estúdio) para gravar a sua versão de “Enquanto a Noite Cai” dos Xutos, no disco-tributo à banda de Zé Pedro, intitulado “XX Anos, XX Bandas”. No mesmo ano participaram na Queima das Fitas em Coimbra (Maio) e no festival Sudoeste (Agosto). Ainda houve quem tivesse sonhado com o regresso da mítica banda , mas estas aparições resultaram apenas na edição de mais um disco louvável, em 2002 (via Carbono, de nome “Censurados – Ao Vivo”), onde toda a energia ao vivo se pode sentir a cada acorde (embora desconhecido de muitos devido a deficitária divulgação).
  • A 20 de Dezembro de 2005 o jornal Blitz reedita o primeiro álbum do grupo, no âmbito da sua campanha de promoção da música portuguesa a preços acessíveis.
  • Nos fins de 2006 é editada a biografia da banda. Com prefácio de Henrique Amaro, "Censurados... Até morrer!" conta a história dos anos intensos desde os primeiros ensaios no quarto do Ribas até à conquista do Estádio de Alvalade e aos últimos concertos em Coimbra, através de e dos testemunhos directos dos intervenientes, numa escrita leve, fluida e sem censuras.

O interessante é que as letras deles ainda estão actuais. Dezasseis anos após o desaparecimento da banda ainda vivemos numa sociedade em que É Difícil sobreviver no meio de tantos Animais e tantas Coxas que só nos provocam Angústia. Andamos Todos No Mesmo Barco a aturar o Americano Gordo e a pensar que ele Não Vale Nada. Os nossos Srs. Políticos continuam Venenosos e só Kagam na Cultura em Portugal. Anda tudo Louco Por Sexo e com falsos Amigos que dizem Já Sei como resolver os teus problemas. Os Buracos continuam e a Confusão é cada vez maior.

Caminhos:

  • João Ribas formou, em 1995, os Tara Perdida, uma banda com um som menos “apunkalhado” do que Censurados. Criou também os Kamones, uma banda de covers dos Ramones, juntamente com Paulinho (dos MAD);
  • Orlando Cohen voltaria a ser membro dos Peste & Sida, até aos dias de hoje, após João San Payo ter reformado a banda, em 2004. Ainda em 1997, cria a banda Porta Voz que tem um som menos punk do que os Censurados, mas continua na mesma onda.
  • Samuel ingressa nos LX 90 e passa por muitos outros grupos como os Sitiados, ao lado de João Aguardela, e esteve também nos Lulu Blind.
  • Fred integra os Gazua e participou recentemente nas gravações do primeiro disco de Tim a solo “Olhos Meus”, no qual participou na bateria Samuel Palitos.

Porta-vozes privilegiados de uma geração jovem, rebelde e contestatária em permanente luta contra o sistema, os Censurados rapidamente se tornaram uma banda de culto. Ficaram como pioneiros ao colocar num disco, lançado em 1990, influências até aí circunscritas ao underground do nosso país: beberam a herança dos Xutos, e a rebeldia dos Crise Total / Kú de Judas e todos os cultos e angústias de uma geração.
Os quatro rapazes de Alvalade revitalizaram o punk em Portugal e abriram um novo ciclo com a sua ruptura. Cada um seguiu o seu caminho levando e deixando raízes a um movimento que hoje cresce em Portugal. Acabaram quando o tinham de fazer, quando lhes faltou a independência, mas acabaram em grande! Deixaram muitos fãs e preservaram um nome, uma identidade e uma linha que saudosamente hoje já não se vê, nem ouve.

Fica o vídeo de "Animais" e os links de mais dois clips: "Coxa" e "O que faz falta - ao vivo".





1 comentário:

20iB disse...

Animais. lol. bons velhos tempos. =)